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SÍTIO DO PICA PAU AMARELO, um poema de Weliton Carvalho.

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Edisse Deus: Haja luz; e houve luz. (Gênesis 1:3).

 

Senhor, eu não sou digno que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo. (Instrução Geral do Missal Romano n. 84 – Mateus 8:8).

 

No princípio era o Verbo, o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus (…) E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade. (João: 1:1 e 14).

Livros de Weliton Carvalho

Poemas em destaque

QUARTO DE DOM HELDER

No quarto de Dom Helder, as coisas celebram o milagre do sublime em verniz de simplicidade e compaixão:

as coisas são apenas as coisas em estado de servir à vida:

a sobriedade tocando o sublime.

(ali nada sobra e nada falta)

Ali, água existe à disposição do copo o copo ao dispor do corpo e sua sede,

a rede ao regaço, descanso passageiro e os livros de prontidão para a vigília:

exato concerto clássico: clareza, precisão e equilibro.

O quarto de um homem é ele por inteiro, posto aqui não haver transmutação do ser em aparência: num quarto, o homem, em essência, é e nada mais.

O quarto – para o homem – a reconstrução do mundo: em nenhum outro lugar se pode buscar a felicidade, aqui, o único inferno é o espelho.

No quarto de Dom Helder não há espelho, tudo se basta em humildade refletindo amor.

LIÇÃO NAS FÉRIAS

Quando ler um poema e não entendê-lo, dê férias a ele e a todo seu desassossego.

Olhe pela janela as nuvens dizendo a paz ou o cinza declamando a angústia do ser.

Caminhe devagar na praia e busque conchas como se fora um menino a explorar o nada.

Lembre de repente da morte e da solidão que habita as pegadas aturdidas da vida.

Se detenha por muito tempo no alarido do dia, onde o azul escorrega de nossos dedos e rugas.

Pense no amor conquistado ou já perdido e verás que a essência da vida é cultivar o fugaz.

Voltes para casa e beije tua mulher, teu filho: acaricie teu cão, o gato que mia manhoso.

Depois volte ao poema e o leia em voz alta para que os ouvidos ensinam os olhos a ver.

Constate, finalmente, que o poema e a vida nada ensinam, antes perguntam ferozmente.

MAÇÃS

Quando meu pai viajava a São Luís eu o esperava em Santa Inês com as maças prometidas.

Parecia que meu pai tinha ido ao paraíso, não colher o fruto proibido, mas saciar o mais puro desejo infantil.

Talvez ele nem se desse conta de tão importante missão. Talvez as comprasse, porque eu gostava e afinal não custava muito comprá-las:

uma que fosse já bastava e o menino não ficaria com os olhos tristes. (aqueles olhos de desejo ardendo em flor)

Não era bem a maçã que eu queria: era antes o sonho que ela continha

era antes o sonho que ela me dava na sua carnadura vermelha,

no seu cintilante delírio

de colorir minha vida de menino do interior que nem conhecia a capital do meu Estado.

O que eu de fato queria da maçã era a poesia que o mundo me negava.

MÁRIO FAUSTINO

a Carlos Evandro M. Eulálio   Enquanto canta a vanguarda em sutilezas Homero solfeja a tradição em lira delicada e o verso lapida em clássico o moderno na erudição cintilante do legado eterno, pois é da arte o labor de significar o belo, que habita nas entranhas pueris dilaceradas em busca de um sentido agridoce do elo que une do ser todas as pontes encantadas na mitologia que revela o afã deste mistério de transbordar sobre si mesmo o universo cultivando o rigor de toda forma e o critério a serviço da lógica metafísica e seu reverso e por destino viver na intensidade do breve encantado na urdidura singular do verso.
OCEANO

Na cidade em que nasci não havia rio, riacho, açude, mas havia um poço bem fundo no quintal de casa: e duvidava que existisse tanta água em um só lugar (admirava no poço a água em formato de bola). Tinha vontade de dar um nome para o meu poço. Ouvi papai dizer que oceano era o mundo das águas. Estava decidido: meu poço ia se chamar oceano. Até que aos 5 anos fomos todos à capital e vi o mar. Papai disse: — Tá vendo quanta água? Não é lindo? Eu sorri, mas não disse nada, em verdade não gostei: era a água espalhada se jogando raivosa, dava medo. Bonito era meu oceano, tranquilo em formato de bola.
VALBERTO

Então no meio da tarde uma bola corria solta, livre, deslizando no azul da vida. Uma bola girava dentro da bola maior: e nem sabíamos que o planeta era redondo. Não sabíamos nem precisávamos: nosso mundo era apenas uma bola que fazia girar as tardes e nossas vidas. Estávamos ali contemplando a liberdade: eu não precisava de Rousseau para saber que os homens nascem livres e iguais. Que afinal importava se teu pai estivador e o meu contabilista? (...) a bola girava: éramos nós e nossos pés metidos na areia. Que importava se lá em casa tinha televisão e na tua um radio antigo? (...) éramos iguais. Meteram-me no colégio da capital e tu ficaste dependendo do governo e não veio a escola e não veio o emprego: por isso foste para o norte do país, onde morreste durante um tiroteio como segurança de supermercado. Então – impactado – eu precisei ler Rousseau para saber que os homens nascem livres e iguais.