Poemas

FASE CONTEMPLATIVA

TESOURO São Luís com suas ruelas, seus becos, seus túneis, seus mirantes, seus sobrados vazios é uma cidade que esconde a si mesma. BUMBO Quando o telefone toca no meio de um verso, sinto o bumbo soar no concerto de câmara. VARIAÇÕES PARA UM TEMA A chuva é um poema épico; o chuvisco, uma sonata. JUDAS Os concubinos da rua […]

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SÍTIO DO PICA PAU AMARELO

Era uma tarde dessas raras, dessas mágicas. Era uma tarde de especial banalidade. Caminhava como sempre àquela hora de volta do caminho rotineiro da escola e a cidade era a mesma no mesmo ritmo da vida entre palmeiras, tardes e brisas. E o mar sorvia o sol suavemente num explícito beijo apaixonado: uma ponta de tristeza e lamento Em São […]

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SOBRA

Guardo um cheiro de mofo nos porões de minha alma: se o revelar estou arruinado, pois é o que resta da sobra do que digo ser, com que ainda pareço, o que não traí: aquilo que ainda criança voa sobre o mundo das coisas onde tudo se transmuta em beleza aos olhos de Heráclito: guardo o azul que grita entre […]

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9 DE ABRIL

─ Então nasceste em 9 de abril, Baudelaire?, antevendo que abril é o mais cruel dos meses, no verso antológico de T. S. Eliot. Não, não é coincidência: poetas são irmanados no destino de flamejar o humano ao mundo –, nesse desejo alucinado de encontrar a vida na carne no sangue nos ossos em tudo; vida que terminou por escapar […]

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CONTRAPARTIDA

DURANTE O AMOR Os amantes não deveriam falar durante o amor para não interromper as declarações do silêncio. INCULTA E BELA O português é uma língua dúbia, por isso quase ninguém vê encanto nos poetas. O delicioso da língua de Camões é a gente se lambuzar nos trocadilhos e picardias brasileiros. ETERNA INCOMPREENDIDA ─ (…) eu já disse mil vezes […]

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QUASE CHOPIN

Aqui me ponho diante do deserto que carrego, de tudo que dilacera a alma, dos azuis e cinzas (no papel repousa o deserto e seus oásis). Aqui desejo o infinito do ínfimo e o labirinto: a página em branco é o paraíso dos perdidos, onde a palavra mais banal volta a cintilar azul (ou pode – ao menos – ousar […]

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MÃO DUPLA

MÃO DUPLA                                             O feminismo é uma lanterna cuja luz é lilás.               (Carla Cristina Garcia) Nas ideias gravita o mundo, marquesa de Rombouillet, pois a vida se inventa nos salões e nos guetos imundos (preciosa vida a que nada lhe basta e sempre nos indaga sobretudo acerca dos […]

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08 DE MARÇO

8 DE MARÇO Poesia tem nome de mulher: preciso dizer mais? EXERCÍCIO POÉTICO Os homens precisam, urgentemente, aprender a acariciar no escuro – como os olhos em silêncio – as almas das mulheres. ALTA INDAGAÇÃO Se as mulheres são capazes de se empoderar, por que os homens não conseguem se suavizar? EUFEMISMO Quando se diz que a mulher deve ser […]

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DIABÓLICOS

CATARSE Quem conversa sozinho, dificilmente enlouquece ou perde o amigo. VIDA REAL A vantagem de ser ator é que se tem uma vida real. CATEGÓRICO Não use o verbo ser para dizer a verdade: ele é muito categórico. O PORQUÊ As mulheres adoram os poetas, porque eles sabem das entrelinhas. AQUI ENTRE NÓS Queria escrever um livro de aforismos, mas […]

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TRAVESSIA DESATADA

                       a Liratelma Cerqueira Fuligem e flor de manhã azul-banal zunindo entre negócios, adultérios e juras de amor. (escorregadias e vagas as horas fluem reptícias carcomendo a vida) A vida, esta pergunta infinita e urgente para qual todas as respostas incompletas. Esse encantamento que se dilui entre ciência e filosofia – entrecortada da mais sofisticada teologia há séculos – na […]

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FOGO AMIGO

FOGO AMIGO Os homens não reparariam na celulite não fossem tuas amigas. PODER DA PROPAGANDA O pregador exaltava tanto o diabo que os fiéis passaram a cultuá-lo. ESTILO O escritor que não se repete não cria o estilo. ESCRAVO Quando se escreve preocupado com a crítica, a autocrítica censura tudo. INSUPORTÁVEL Não fosse a mentira, o mundo seria insuportável, porque […]

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MÉTODO CARTESIANO

RESULTADO DO TESTE VOCACIONAL ─ Bem, você tem um forte olhar fotográfico. ─ Será que por isso cometi o desatino de ser poeta? COR DA ESPERANÇA O alaranjado devia ser a cor da esperança: é a cor preferida da aurora. SEM ESPELHO Por séculos de guerras e tanta maldade quando lembra que fez os seres humanos à sua imagem e […]

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ENIGMA QUASE CARTESIANO

I. Pode irromper do mais recôndito labirinto da memória, onde uma lembrança acende manhãs e tardes infinitas que insistem em não morrer, embora solucem saudades já desbotadas nos olhos que seduzem a sinfonia do fim (os olhos azuis do velho retrato ainda lampejam poesia). II. O engenheiro faz o poema de lógica cartesiana, – assim o escrevia o gênio de […]

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MARISTAS

                                      a Ir. Jorge Há vinte anos aquela tarde não se restaura e aqui estou do mesmo modo quase a acreditar que aquela tarde podia ter me dito o mundo na exata lição matemática da vida. A incidência do sol sobre o último galho dessa árvore forma a sombra onde estou mais uma vez sentado (como estive há vinte anos […]

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DOCE VINGANÇA

COR DA ESPERANÇA O alaranjado devia ser a cor da esperança: é a cor preferida da aurora. SEM ESPELHO Por séculos de guerras e tanta maldade quando lembra que fez os seres humanos à sua imagem e semelhança, aposto que Deus evita o espelho ou o tenha quebrado. ALQUIMIA As bruxas adoram casamento: a escala industrial da alquimia de transformar […]

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DESATINO

Poeta é todo aquele que transborda diante da vida e, sem um porquê, deságua em meio a tudo comovido. Poeta-se em um jardim para contemplar uma folha seca que balança à brisa da manhã mormente no vento veloz que dissipa no ar seu destino incerto no enigma da vida: um simples roçar de mão abarca sua vida inteira, poderia ali […]

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ORIENTE MÉDIO

                    a Marlene Araujo No Oriente nada é médio: tudo é extremamente nada em meio à guerra (solo encharcado de sangue, a vida respirando o terror). No Oriente (na Síria ou em Gaza) as armas brincam com as crianças, ensinando: a paz, um lenço branco – as oliveiras choram na Palestina sobre os cadáveres dos pequeninos. Dentro da noite, o […]

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DA JANELA DO AVIÃO

Avião,           pássaro de aço,                                   voa,                                         voa,                                                voa. Pássaro de aço,                          voa                                a dissipar o medo em nuvens. Pássaro de aço,                          voa                                 sobre um mundo habitado de pedras. Pássaro de aço,                          voa                                a dissipar pedras em nuvens. Pássaro de aço,                          voa,                                 voa,                                        […]

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OS INEVITÁVEIS

HISTÓRIA DE FRACASSO COM A AUTOAJUDA Certo dia, entrei numa livraria para receber de volta meus livros encalhados: eram exemplares de poesia. Estavam empoeirados na prateleira dos esquecidos. O livreiro lamentou por eu não ter vendido nenhuma unidade e me aconselhou a escrever livro de autoajuda. ─ Afinal a poesia está tão perto da autoajuda e se você se esforçar […]

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ADOLESCENTE

Turbilhão de desejos e sonhos explodindo hormônios construindo andaimes ao se erguer o templo ao amor. Mas o que é o amor?, – essa pergunta mais vexada, mais íntima que causa rubor. O fato inconteste: o mundo de ponta-cabeça, num corpo que muda sem nada explicar. E cravos e espinhas deixam o jardim para habitar rostos assustados, oleosos, num cheiro […]

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OS BÁRBAROS

Bárbaro é um conceito etnocêntrico (chique, não?): foi das poucas coisas que consegui trazer do ginásio (etnocêntrico, palavra linda para significado horrível). Logo aprendi a vulgata: bárbaros eram os selvagens. Ainda no ginásio me veio o alento do humanismo – em 1530 Erasmo de Rotterdam difundiu a civilidade (me encantei com a palavra, mas agora sem frustação). Ah, as palavras! […]

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ANTES QUE SEJA TARDE

Hoje me dispus a um desejo muito antigo: deixar a tarde se desmanchar sem interferir (a tarde com seu tamanho real, tomar as horas pelo sol). Deitar o corpo na rede estendida ao gosto da preguiça, saber dos medievais a beleza do sistema heliocêntrico: o sol devagar girando e aos poucos, distraído, mergulhando dentro da terra, que eu menino imaginava […]

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COTIDIANO DA PROVÍNCIA

José Ribamar, maranhense de nascimento e coração entra na rua em vão: passa pelo mesmo tocador de pífano, cego do mesmo olho, encostado à esquina do mesmo sobrado cuja fachada dos mesmos azulejos lusitanos. Em tarde de poucas nuvens, José Ribamar casou com Maria Antônia (dali a 10 meses nascia José Ribamar Jr.) José Ribamar Jr, maranhense de nome e […]

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AMPLA DEFESA

ÂMAGO O poeta é o tradutor do silêncio. ENTRANHAS DO ABISMO O aborto é a náusea nas entranhas do abismo. IMPASSE FILOSÓFICO Albert Camus considera o suicídio o maior problema filosófico. De fato: o suicídio é uma tragédia que ocorre dentro do abismo e atinge predominantemente a vida do desesperado. Mas a angústia existencial pode ir além: o aborto é […]

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REENCONTRO

                           a Diva Maria de Barros Mendes Não há religião que salve o mistério do humano: salva outro olhar sobre o mundo que carece tanto de deslizar sobre as almas em veludo e total frescor para que flores e o arco-íris não morram solitários. Mas a verdade é que girassóis febris de beleza deliram e não comovem além de Van […]

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QUINTANAMARES

DEDICATÓRIA Para Mario Quintana, não in memoriam: a morte é só a metáfora da eternidade. A MARIO QUINTANA Aceita, Mario, este plágio de autêntico apreço. PARCERIA Se eu houvesse privado com Mario Quintana faria a proposta de voltar ao Alegrete: — Vamos a tua infância: apura o ouvido aos grilos que eu seguro a lamparina. CONTINUAÇÃO DA AULA DE FILOSFIA […]

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RESPIRE COMIGO ESSE SILÊNCIO

                                   a Sebastião Moreira Duarte Escuta, amigo, sente aqui. Sim, aqui, mais perto. Não, por agora não quero conversar. Quero apenas te ter aqui por perto. Não. Também não quero ouvir nem declamar o mais belo dos versos desta e doutras línguas E mesmo o flautim agora não convém. A tua fleuma agora é todo o meu conforto: esse teu […]

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SEXO DA MINHA FÊMEA

                                                   a bia, sempre Selvagem e delicado, teu sexo paira para além dos adjetivos quando pousa em minha mão tal um ninho em aconchego. Depravado sexo delicado, sublime instinto de flor se abrindo em primavera e […]

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GRACILIANO RAMOS

A frase curta, exata e plural: toda singular. Nada falta nem sobra: seco exato. Caneta-bisturi corta aqui e ali: perfeita escrita. Escorreita costura molda o ser em nu: a alma por inteira. Mandacaru em flor diz esperança seca: lirismo milimétrico. O texto desnudo de todo adereço: silêncio e grito.

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FAIXA DE GAZA. EPIGRAMAS

ETERNOS ESQUECIDOS ─ Por que você escreve poesia social? ─ Não consigo esquecer dos esquecidos. JUDICIÁRIO E MÍDIA Os juízes também não conseguem renunciar aos seus 15 minutos de fama. À LUZ DO SOL ─ Engraçado, sou leitor de poesia e confesso que não lhe conhecia. ─ Nada de novo sobre a Terra: a poesia se esconde à luz do […]

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