Bem poderia ter nascido Cristo lá em casa tamanha hospitalidade em acolher o simples: de um tocante, de um cândido tão delicado do orvalho deslizando numa parede nua. Mamãe armava a árvore de natal em Santa Inês lá na rua da Raposa, nº 114, onde nada chegava: nem cesta de natal nem cartões nem convidados. A árvore de natal de […]
Ler maisAquele revolver de azul, brisa, bichos, coisas, folhas no farfalhar do vulgar de intensa beleza em danação era o invento da vida em alucinada aflição e doçura onde o tudo e o nada escorriam ao mistério. E tudo que se explicava se revoltava contra a lógica e o mistério continuava a fluir em novas indagações – criando explosões de epifanias […]
Ler maisa cidade está no homem quase como a árvore voa no pássaro que a deixa (Ferreira Gullar) Não digo repouso eterno, pois é toda ebulição: sol abrasador e noite de todos os abismos azuis que me arrastam na vertigem feérica da infância. Uma cidade – inventada e real – habita o menino desatando o arrastar alucinado do tempo e […]
Ler maisTão Tão Aventureiro não é herói, menino dos pedaços de todos nós (de medo e coragem ele se constrói): com suas peripécias nos dá voz. Tão Tão Aventureiro nasceu da dor, da luta contra quem massacra o menor (não deseja se vingar, mas ofertar amor) livrar do humano o mal, desatar esse nó. Tão Tão Aventureiro traz nas mãos a […]
Ler maisRAIMUNDINHO, O INCONVENIENTE Raimundinho é aquele cara que fala, naturalmente, as coisas mais impróprias. Talvez Freud dissesse que se trata de um sujeito sem superego. Por isso nós, seus conhecidos (conhecidos, porque impossível ser amigo do Raimundinho: nunca se soube de qualquer amigo dele em suas sucessivas reencarnações), o batizamos com um aposto: o inconveniente. Enfim, Raimundinho é aquele camarada […]
Ler maisA DUPLA FACE DO ROMANTISMO As mulheres amam diamantes, mas os homens teimam em mandar flores. O HOMEM E A SUA CIRCUNSTÂNCIA a Graça Vilhena Joana torna a vida de Amarildo um inferno: implica, desrespeita e humilha. Só não se separa dele por não querer vender o carro adquirido na constância do casamento. Desempregado e para não perder o convívio […]
Ler maisa Paulo Rodrigues Ao acaso agora assisto Viagem de Inverno de Schubert (baseada nos poemas do romântico Wilhelm Muller) é claro que um poeta tropical não iria pensar em neve: foi a chuva que veio à janela tal um passarinho molhado e festejou entre alaridos e silêncio a festa da melancolia. Não sei ao certo se aquela foi a primeira […]
Ler maisLIBERDADE DE EXPRESSÃO Que bom seria se entendêssemos que o silêncio também é liberdade de expressão. — Ah, que bom seria! FEROCIDADE Recebo de uma amiga pelo whatssap a justificativa pela falta de contato: — Desculpe, amigo, é tanta a correria que nunca mais falamos. — Contra a ferocidade da vida, amiga, nem os poetas nem mesmos os astrofísicos nada […]
Ler maisa Liratelma Cerqueira Fuligem e flor de manhã azul-banal zunindo entre negócios, adultérios e juras de amor. (escorregadias e vagas as horas fluem reptícias carcomendo a vida) A vida, esta pergunta infinita e urgente para qual todas as respostas incompletas. Esse encantamento que se dilui entre ciência e filosofia – entrecortada da mais sofisticada teologia há séculos – flui entre […]
Ler maisNunca escrevi um verso para minha mãe, porque ela me deu todos os poemas: inclusive os que nunca li nem consegui escrever. Num dia da minha infância, mãe olhou pro céu e disse: ─ Sabe por que o céu é azul? Pra colorir a nossa vida em preto e branco. Menino treloso que era, percebi que ela guardava cacarecos: copos […]
Ler maisDeus da vida, há dias em que a carga nos desgasta os ombros e nós nos sentimos esgotados; dias em que o caminho parece monótono e interminável, e o céu cinzento e ameaçador; dias em que a nossa vida carece de música, o nosso coração está solitário e a nossa alma perdeu a coragem. Inunda o caminho com a Tua […]
Ler maisa Daniela Mello Clarice tinha os olhos verdes (do verde que visita o Pacífico) daquele intenso das esmeraldas (da esperança incendiada na vida). Os olhos de Clarice eram profundos – até quando pode ser o infinito – mergulhados num veio melancólico de quem sabe a vida puro mistério. Clarice conheceu o amor, a paixão: seus olhos profundos só viam João […]
Ler maisI. Canto da manhã Como teu som é criação capturada do pássaro quando voa simplesmente sobre delicadíssimas partículas de luz que repousam nas águas mais anônimas de um rio mergulhado em si mesmo, deveria te cantar em finíssimo silêncio: desses que formam a aurora na floresta, onde a luz só penetra por mínimas frestas e o sol faz sombra para […]
Ler maisEntão no meio da tarde uma bola corria solta, livre, deslizando no azul da vida. Uma bola girava dentro da bola maior: e nem sabíamos que o planeta era redondo. Não sabíamos nem precisávamos: nosso mundo era apenas uma bola que fazia girar as tardes e nossas vidas. Estávamos ali contemplando a liberdade: eu não precisava de Rousseau para saber […]
Ler maisNa cidade em que nasci não havia rio, riacho, açude, mas havia um poço bem fundo no quintal de casa: e duvidava que existisse tanta água em um só lugar (admirava no poço a água em formato de bola). Tinha vontade de dar um nome para o meu poço. Ouvi papai dizer que oceano era o mundo das águas. Estava […]
Ler maisa Carlos Evandro M. Eulálio Enquanto canta a vanguarda em sutilezas Homero solfeja a tradição em lira delicada e o verso lapida em clássico o moderno na erudição cintilante do legado eterno, pois é da arte o labor de significar o belo, que habita nas entranhas pueris dilaceradas em busca de um sentido agridoce do elo que une do […]
Ler maisPaulo Roberto Falcão quando criança tinha os cabelos em cachos dourados: parecia um anjo da Renascença. Por destino Falcão voa alto e com a destreza de dribles e sua elegância no porte de conduzir a bola com altivez pôs os romanos aos seu pés: tornou-se Rei de Roma. Numa noite fria de 30 de julho de 1906 em Alegrete nascia […]
Ler maisSabe, Chico, – assim não se chama a um Santo –, mas a um amigo. Mas é que, Chico, eu ainda era criança quando ouvi tua oração e aquilo era tão perto de mim, me dizia tanto: me comoveu ao infinito. (Ó Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz) Me comoveu tanto, Chico, que tu me parecerias tão […]
Ler maisNunca me acostumei com os teus olhos, dos quais nunca decifrei a cor, sempre fugidia entre luz e sombra, como deve ser as coisas de encantamento. Nem com esse teu jeito de me olhar que dispensa os sons das palavras e faz o amor gritar dentro do silêncio tal uma emanação – e porque emanação – já não se explica. […]
Ler maisa Moacyr Scliar Escrever um poema depois de Auschwitz é um ato bárbaro. [Adorno] Auschwitz é uma noite quase sem fim. Ali, repousa, de nós, o lado mais sombrio. Bárbaros para sempre seremos? Bárbaros sempre fomos. A história nos condena entre a cruz e a espada. E em nome de Deus continuamos a guerra. Bárbaros sempre fomos, repetem os jornais […]
Ler maisÉ quando a vida se imiscui do humano que todas as cores cintilam inteira luz e se alumiam os porões mais íntimos do existir tal fachos de relâmpagos sobre as tempestades loucas do desejo de sentir o vulcão da beleza transbordando o puro na impureza do feto que traz consigo placenta, soluços e esperança. Quando não há mais limite entre […]
Ler maisNo quarto de Dom Helder, as coisas celebram o milagre do sublime em verniz de simplicidade e compaixão: as coisas são apenas as coisas em estado de servir à vida: a sobriedade tocando o sublime. (ali nada sobra e nada falta) Ali, água existe à disposição do copo o copo ao dispor do corpo e sua sede, a rede ao […]
Ler maisa Mirian de Sá Pereira Olhos cálidos vislumbram o amanhã tal a aurora despertando a luz sobre a noite A bala que atingiu tua cabeça procurava teu cérebro: este ato bárbaro também guarda sua metáfora: tudo teria sido evitando se não ousasses pensar. Mas como não pensar se existo?, recitou um filósofo ocidental o que o oriente sabia de cor, […]
Ler maisQuando ler um poema e não entendê-lo, dê férias a ele e a todo seu desassossego. Olhe pela janela as nuvens dizendo a paz ou o cinza declamando a angústia do ser. Caminhe devagar na praia e busque conchas como se fora um menino a explorar o nada. Lembre de repente da morte e da solidão que habita as pegadas […]
Ler maisNo quintal da minha pobre casa na Rua da Raposa, em Santa Inês do Maranhão, no Vale do Pindaré eu imaginava uma grande fazenda: uma instância: tomei um cabo de vassoura e lhe improvisei um cabresto: tinha nascido um lindo cavalo mais belo que Rocinante, as ervas daninhas eram o melhor pasto de toda região e o poço era o […]
Ler maisQuando meu pai viajava a São Luís eu o esperava em Santa Inês com as maças prometidas. Parecia que meu pai tinha ido ao paraíso, não colher o fruto proibido, mas saciar o mais puro desejo infantil. Talvez ele nem se desse conta de tão importante missão. Talvez as comprasse, porque eu gostava e afinal não custava muito comprá-las: uma […]
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