Poemas

SEGREDO

Quero o poema de silêncio, reticente, de recalques, dos amores impossíveis, de dores secretas, das almas perdidas: latejando vísceras, comovendo as pedras essência de princípio burilado há séculos nas premissas mais estoicas da filosofia cujo testemunho seja a vida em ofertório de sacrifício entranhado de todo orgulho de não ceder ao seduzir do ar palaciano. Quero o poema de nervos […]

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ONDE ESTAVA A MUSA?

Onde estava a musa, quando o poeta guardou aquelas manhãs em florais?, com os olhos de melancolia em fogo (tanta pureza escorria de suas mãos e transbordava em timidez). Estaria a ninfa distraída na manhã?, quando o poeta se guardava atônito disfarçando a melancolia, a timidez sem saber o que fazer com a pureza que escorria encantada de seus olhos. […]

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SÉCULO XXI

Século XXI todo fluorescente e opaco, onde ti perdemos, sopro de esperança?, se derrubamos o muro a nos apartar?, aquele que nos legou a esquizofrenia que desenhou o mundo em bipolaridade e nos obrigou a fazer escolhas sectárias desde o dilema capitalismo-comunismo: direitos individuais e sociais em divórcio expiaram em modelos rígidos-imiscíveis; enfim voltamos a nos abraçar desde 1961: chegada […]

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PERFUME DA MORTE

Tantos os vazios no colorido da vida a lembrar Heidegger: seres à morte, cujo destino era inventar o mundo. Mas o mundo se conformou no molde e se acostumou ao medíocre do banal: a poesia se perdeu de si e da metáfora (confusa no revolver de tantos signos sem símbolos a lançar raio, luz, desejo). O mundo prêt-à-porter não se […]

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AZUL DA PÓLVORA

Em criança, descobri na pólvora o azul na Santa Inês dos crimes de encomenda. (tantos homicídios, tantos pistoleiros) Naquele tempo não sabia do homicídio (sabia da morte matada e da morrida). Um dia vi a pólvora – era brilhante. (disseram que dela se fazia balas – que depois soube ser munição) Mas a pólvora era azul! (constatei num espanto) E […]

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A JANELA

a Isabel e Sylvia A casa de batente alto e paredes nuas era toda escancarada para o mundo. A casa tinha porta e o vão da janela (a única janela em plena liberdade): a rua invadia com olhos indiscretos. E durante o dia era o desatar de toda vida: o vendedor de paladar em fatias de bolo, o filho do […]

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MANHÃ DE ABRIL EM FLOR

No dorso da manhã o pássaro acaricia a brisa, as nuvens no quintal dançam prateadas de sol. Em Santa Inês, reino do Vale do Pindaré, a manhã explode em azul para celebrar as laicas esperanças que sobrevivem ao festejar a vida. A vida, essa palavra inútil que não se traduz. A vida clara em uma folha de papel que se […]

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ANGÚSTIA LÚDICA

Na ancestralidade repousa a essência em quietude – tudo está ali pacificado em estado de natureza – não há angústia no primeiro olhar diante do mundo: um deslumbrar macio e puro se desata lentamente. Diante de meus olhos todo o quintal estava por dizer – e pouco importa se meus ancestrais já o disseram – o poço, por exemplo, não […]

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BRASÍLIA

Sim, Clarice, Brasília é artificial na linha do horizonte – acrescentaria: aberta na profundidade dos abismos: o sonho e a vida, algo além de travessias inventadas?, de potências abissais soluçando em busca de sentido? – a vida, esse projeto retilíneo a aprender nas curvas tem tanto a cursar no concreto aventureiro de Brasília, onde as nuvens seduzem a matemática e […]

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BEETHOVEN

Liberdade e angústia, pautas do gênio que se agarrou à arte para dizer a vida (para não saltar dela antes de saciado e deixar a ela o quanto pode o existir):   o ardor do humano em se fazer luz em meio às trevas que dissolvem o sol. Tomar o ser dos abismos mais densos e fazer cintilar a poesia nas […]

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EPIGRAMAS: CONFISSÕES E OUTROS SUSSURROS

CONFISSÃO Mario, bem que você me advertiu: “o pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada a ver com isso”. Retardatário que sou, por muito tempo entreguei minha alma às pessoas, que se aborreciam delicadamente. Até que percebi: só a literatura – ainda que com a exigência da estética – se interessa pelos nossos infortúnios. VERSÃO SINTÉTICA Deus […]

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QUASE PROSAICO

Entrego minha alma ao céu de abril e à rebeldia. (Bandeira Tribuzzi) Joziel, igual a outros tantos homens, nunca pensou em ser notícia de jornal: apenas sobreviver e tentar a felicidade nesse enigma inquieto chamado vida. É verdade que Joziel foi deveras imprudente ao deixar Bacabal, aos 23 anos, sem emprego, com a 4ª série incompleta, com sete irmãos e […]

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VALMIR

Naquele tempo o mundo flamejava em nossas mãos e nem sabíamos, porque o mistério às vezes é simples – o quanto pode ser simples o mistério da infância –: o dia galopando no dorso alado do ócio todo colorido. O tempo deslizava farfalhando o vazio do nada e a vida não era uma indagação feroz e urgente. (a vida era […]

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PRIMEIRAS AFLIÇÕES

Entre urtigas e brisa o universo girava e ainda não existia Freud ou a história para me explicar do amor e do ódio que habitam o mesmo espaço do azul. No cine Art Palácio nas tardes de domingo havia o artista que lutava em nome do bem e por quem torcia entre gritos e aplausos (o outro era o bandido […]

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EPIGRAMAS DEDICATÓRIA A MARIO QUINTANA E OUTROS

DEDICATÓRIA A MARIO QUINTANA Aceita, Mario, este plágio, de autêntico apreço. GRATIDÃO a Mirella Monte Ajudar é a recompensa por existir. PARCERIA Se eu houvesse privado com Mario Quintana faria a proposta de voltar ao Alegrete: — Vamos a tua infância: apura o ouvido aos grilos que eu seguro a lamparina. CUIDADO Nem sempre a risada será frouxa, muitas vezes, […]

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EPIGRAMAS CANTADAS

CANTADA BARATA E LÍRICA O que sinto por você nem o dicionário nem os poetas sabem dizer. ● CANTADA PUERIL Eu ainda sou virgem, porque nunca te amei. ● CANTADA DA FASE AZUL  Sobre a neve as nuvens expandem o branco e teus olhos debaixo do céu prorrogam o azul. ● CANTADA CULTA Depois de ler todos os poetas do […]

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FORMAÇÃO

a João Neto Aprendi o belo no farfalhar das bananeiras ao som dos pássaros e alvoroço do quintal – entrecortado de silêncio e brisa infinita – (principalmente de silêncio em cristal): silêncio puro sem propósito sem mais nada (o silêncio que contempla sem indagar, sem responder: o silêncio que respira): ali ficava enamorado da brisa fiando o tempo (e o […]

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PARA ONDE?

Sou seguidor de quem também me segue, mas não sabemos, ainda, para onde vamos: estamos em um mar nunca dantes navegado, infinito mar de náusea e vulgaridades expostas (delicadamente expostas com um verniz de arte) e tudo tão próximo tão distante, real e ilusório – as pessoas estão ali e se mostram tão vivas –, mas me falta calor, afeto, […]

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A FOGUEIRA

a Alexandre Lago Era uma noite fria e muito escura (…) os poetas resolveram fazer uma fogueira (…) Homero trouxe o maior carregamento de madeira (…) Virgílio observou demorado as toras vindas da Grécia (…) Dante se comprometeu com o fogo (…) Shakespeare reorganizou a disposição da madeira de um modo muito peculiar (…) Camões imaginou a fogueira iluminando o […]

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ECONOMIST

Em Brasília, entre a aurora e o crepúsculo, economistas testam teorias advindas de Harvard: mostram estatísticas, onde a fome e o desemprego são fatores de equações complexas. Nas teses de economia, urdidas em altos gabinetes, o trabalhador não se desespera em filas meses a fio. Nos cadernos de economia de todos os jornais, não apareceu que ontem um trabalhador brasileiro, […]

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AS FIGURAS DE LINGUAGEM VÃO AO ANALISTA

a Fernando Calsavara Catacrese: — O primeiro complexo é com meu nome. Que nome mais feio! Não tinha outro para me batizar? Penso em coisas estranhas como por exemplo cabeça de prego e o pior é que as pessoas terminam achando isso normal. Será que estou enlouquecendo? Comparação: — Difícil reconhecer, mas confesso que morro de inveja da metáfora, bem […]

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GRITO DE LIBERDADE

Onde houver ditadura, eu serei um grito, ainda que torturado. ETERNIDADE Foi um período de breve (sic) ditadura. REVOLUÇÃO DOS LÍRIOS Não acredito nas revoluções: acredito nos lírios, que sabem suportar as contradições humanas e só florescem na democracia. DESUMANO Nas democracias, o eleitor prova que errar é desumano. LIMITE Nenhum governante consegue ser mais estúpido que seu povo. ESQUADROS […]

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ABISMOS AZUIS

Havia algo inquieto no sossego do quintal entre as galinhas, patos e alaridos vários e depois o silêncio denso na água do poço (ali estava tudo que não podia ser dito). Notava que os adultos me escondiam algo: — Isso não é assunto para criança! Cresci com esse sentimento definitivo: a espreitar o trágico se urdir no mundo. Tinha esperança […]

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LAMPARINA

a Fátima Nancy Andrighi Só quem viu uma lamparina acessa pode dizer da ancestralidade da luz: uma ancestralidade não primacial do fogo, das fogueiras, das tochas, mas da luz que acaricia os olhos com a cumplicidade do flandres moldado pelas mãos do artesão (pelas mãos de Joaquim Aranha), imitando a lua ao iluminar a rua e guiar o humano na […]

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A GAIOLA VAZIA

Quando meu pai chegou com o passarinho na gaiola foi uma alegria tão forte e encantadora difícil de dizer. Tinha eu cinco anos e aquele o mais belo presente: cismei que o passarinho devia dormir no meu quarto – e Babá, que fazia tudo por mim, cobriu a gaiola – (e o passarinho dormia ao pé da cama toda noite): […]

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NÓDOA

a Luiza Cantanhêde Não cantes tua cidade, deixe-a em paz — aconselhou o poeta de Itabira — mas quando a cidade se entranha na gente tal nódoa de caju, de bananeira no verão, escorrendo na pele, penetrando a carne e circulando no sangue para sempre? e na gente vai habitar nos abismos do ser e planta raízes fundas de brisa […]

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BOI DO LOBATO

a Américo Azevedo Neto Bumba meu boi, lamento em festa, melancolia e brilho: os artistas, feiticeiros da luz a rasgar os olhos das trevas, sabem que todo o sonho da noite é se fazer celebração por isso rufavam os tambores nos folguedos de junho: um menino em êxtase sentia a terrar tremer de alegria ao som das matracas a tilintar […]

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BELEZA DOS VAZIOS

a Hélio Melo de Lima De repente as coisas poderiam ter outro nome, outra textura, cheiros e tonalidades de silêncio: percebia o vento farfalhar em algazara no quintal e a lua se esgueirava na cerca se mirando no poço. O mundo (meu mundo) estava ali todo pronto, mas sentia que bananeiras e o musgo cochicavam como se conspirassem desejos de […]

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BARRICADA

a Jaqueline Alexandre Ah!, como espanta o exegeta burocrata ao apreciar os números que não gritam – por ignorar o apagar de tantas vidas e de outras que quedaram destroçadas. No mundo da burocracia empertigada tudo é impermeável à dor, a todo sentir: resultado de brutal destino da natureza em que a vida deriva da força dos fortes (os fracos […]

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O ESPETÁCULO

Naquele sábado o azul gritou tão forte e as nuvens deixaram o céu todo livre para as loucas acrobacias do Jacir: o avião subia tanto até a vista perdê-lo e eis que parecia um parafuso alucinado a se desenroscar em todo desassossego num ll o o o o p p i i n n g g inesperado, assustador, cortante e […]

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