DIABÓLICOS

CATARSE
Quem conversa sozinho, dificilmente enlouquece ou perde o amigo.

VIDA REAL
A vantagem de ser ator é que se tem uma vida real.

CATEGÓRICO
Não use o verbo ser para dizer a verdade: ele é muito categórico.

O PORQUÊ
As mulheres adoram os poetas, porque eles sabem das entrelinhas.

AQUI ENTRE NÓS
Queria escrever um livro de aforismos, mas não tenho cultura para tanto.

ETERNIDADE
Foi um período de breve (sic) ditadura.

COTIDIANO E ARBÍTRIO
Nas ditaduras não há gavetas.

APOLOGIA DA IGNORÂNCIA
Dentro em breve Guerra e paz será um livro contrabandeado.

A CIBERNÉTICA NA POESIA
Imagine quando os poetas puderem lançar mão do recall.

CARÊNCIA
O poeta sofre de carência típica dos filhos rebeldes e incompreendidos.

PSICOLOGIA DA CARÊNCIA
Do que esta meninada toda precisa é de carência: com ela encontrei a poesia; outros, inventos bem mais pragmáticos e lucrativos. Sorte a minha: só careço de renúncia.

MÃE ÁFRICA
Diante de ti, meus olhos baixam de vergonha e os brasões de família ficam rubros ante à história.

LEGADO
Os concretistas poetizaram a palavra-cruzada.

REFLEXÃO
Seu Osório suspendeu, por um instante, o lápis da palavra cruzada, trouxe os óculos para a ponta do nariz adunco e pensou em voz alta: ─ Por que esses poetas de província escrevem, se ninguém vai ler? Para passar tempo eles deviam fazer palavra-cruzada: é uma delícia!

CARRASCO
Tenho certos prazeres exóticos: um deles é este deleite inexplicável de degolar o t, por isso evito por todos os meios o l que sempre me pareceu um culpado impune.

ALÍVIO
Trabalho em certos poemas por anos a fio e, simplesmente, me dou por vencido. Confesso que certas imagens, sensações e pensamentos não cabem, não se conformam, não se encaixam no poema, por mais esforço, estudo, delicadeza e versões que lhes ofereça. Fiquei aliviado ao saber que certos cavalos da Mongólia não se deixam adestrar.

DESUMANO
Nas democracias, o eleitor prova que errar é desumano.

DIABÓLICOS
A gente vai se tornando diabólico: nunca vi um recém-nascido chorar de alegria.

FINAL DO SÉCULO XXII
No museu de história natural, a cicerone se deteve diante da peça antes de explicá-la:
Aqui, à esquerda, temos um homem empalhado: foi o último leitor de Camões.

PONTO DE RETORNO
A nudez feminina tornou-se tão banal que ando em busca das revistas do século XIX para escrever um poema erótico.

ASSALTO
Tempos bons eram aqueles em que só o poema me assaltava no meio da rua.

TRISTE
Muitos anos vivi em Pernambuco e minha alma por lá perambula. Há certas coisas gozadas em Pernambuco: a palavra triste, por exemplo. O pernambucano a usa como um substantivo depreciativo: “Aquilo é um triste. Ah, sei (…) aquele triste”. Triste é a palavra que traduz com maior perfeição o chato. Chamar alguém de triste é o maior elogio humano: só consigo lembrar de Dom Quixote, o cavaleiro da triste figura. Desculpem, é que sou um poeta assim melancólico (…) um triste enfim.