OS BÁRBAROS

Bárbaro é um conceito etnocêntrico (chique, não?):
foi das poucas coisas que consegui trazer do ginásio
(etnocêntrico, palavra linda para significado horrível).
Logo aprendi a vulgata: bárbaros eram os selvagens.

Ainda no ginásio me veio o alento do humanismo –
em 1530 Erasmo de Rotterdam difundiu a civilidade
(me encantei com a palavra, mas agora sem frustação).

Ah, as palavras! (como seduzem! como comovem!):
finalmente a humanidade atingiria o destino do belo,
os brutamontes ficaram para aquém da modernidade.

Tal um Sidarta Gautama tardio descubro a realidade:
o mundo gasta 82,9 bilhões de dólares com armas
os refugiados de guerra somam 108,4 milhões –
735 milhões de seres humanos conhecem a fome;
moram nas ruas do planeta 150 milhões de pessoas;
são quase 2,5 milhões de indivíduos traficados ao ano
(um em cada três é criança e 64% para fins sexuais);
45 mil mulheres e meninas vítimas de feminicídio;
os escravizados somam 20,9 milhões mundo afora;
o tráfico de drogas gera 500 bilhões de dólares.

Mas eu não estava tentando escrever um poema?
Ah, essa citação estatística o estragou por completo.

Tal o nosso torpor que os números não dizem nada
(números não comovem, gritam ou se revolvem –
são signos que nem chegam a símbolos).

É, caro Erasmo, nos aculturamos aos bárbaros!

Olho o iphone: a isso chamamos civilidade.