Weliton Carvalho é entrevistado pelo professor e escritor Dilson Lages

Weliton Carvalho é entrevistado pelo professor e escritor Dilson Lages

Dilson – Sua poesia traz os sentidos dos questionamentos metafísicos, vendo estranheza e espanto, por exemplos, na criação. A voz inquieta de sua poética é a voz que deseja descobrir o que há de intangível na matéria de que se faz a poesia ou mais presa ao cotidiano?

Weliton – Veja: toda a poesia é metafísica. A poesia é feita com palavras, por evidente. Mas o poeta não quer mostrar as palavras, pois como diz com precisão Octávio Paz, a palavra é um símbolo que emite símbolos. O poeta busca mostrar as coisas em outra perspectiva que aquela a que estamos habituados. A arte é, por essência, transfiguração. Neste ponto, o Ferreira Gullar gostava de dizer que poesia é espanto. O Ferreira Gullar, em verdade, repetia o que Aristóteles dizia da Filosofia. Exatamente por isso o corpo de um homem nu ou de uma mulher nua, expostos ao público – por exemplo – por mais belos que possam ser, não transfiguram, apenas transgridem. Ao se contemplar o Davi de Michelangelo, você nem se dá conta de que ele está nu. Por quê? A capacidade genial de Michelangelo nos faz ver formas de perfeição que suplantaria qualquer humano. Em termos platônicos, o Davi de Michelangelo é conceito de nudez no mundo inteligível. O nu ali se dissolve como algo conhecido, para ceder lugar à outra dimensão da nudez: o corpo masculino em uma dimensão lúdica. Do bloco de mármore, nasceu Davi cheio de vida e beleza. Todo artista tem o complexo de Deus: seu destino é criar. A nudez do Davi, por exemplo, ocupa um patamar sagrado: o erotismo no seu lugar de direito, pois o artista nos comove ao fazer notar que o corpo é um templo. Claro que, na época da exposição da escultura em uma Rua de Florença, a obra chegou a ser apedrejada pelos pudicos. Mas qual foi a posição que se firmou? A sensibilidade da estética renascentista: o corpo acima do pecado. Quando vejo o David de Michelangelo, posso me sentir o próprio Adão antes do pecado original, segundo a teologia cristã. Isso é fantástico. Em outras palavras: o pecado não está no corpo, mas no que fazemos com ele. Não consigo ver pecado no sexo. Ao meu sentir, todo comportamento humano só atinge a sua plenitude quando busca o belo, o bom e o útil. Nós não somos seres apenas sexuados, somos seres eróticos. O ato sexual pode ser um panegírico ao amor ou um estupro. Tenho um poema curto em que digo isso: “Teu corpo teu templo/ só o entregue a outra alma”. Claro que alguém pode ponderar que esta minha visão é muita romântica, pois alguém pode sentir prazer sexual sem maior envolvimento afetivo. É verdade: só não sei se um ato mecânico pode ser capaz de produzir poesia. Então, pergunto: o hedonismo tem construído uma sociedade mais responsável? No ocidente culpa-se muito o cristianismo pela repressão sexual. Há um fundo de verdade, mas será que a vulgarização do sexo é a melhor opção? Isso é tema mais afeito à psicanálise, voltemos. Quanto à segunda parte da indagação, penso que há interpenetração: o cotidiano e a intangibilidade da matéria convivem aos nossos olhos. Não consigo trabalhar em um plano dual, mas a partir de uma realidade conectada. Não por acaso, intitulei um dos meus livros de Descobrimento do explícito. O papel da arte é exatamente este: extrair beleza do banal. Perceba: os temas são limitados. A vida da quase totalidade das pessoas não é composta de acontecimentos extraordinários. Ao contrário, é feita de repetições quase sempre enfadonhas. Cabe ao artista comover essas pessoas a partir de suas vivências. No meu sentir, há uma película finíssima de beleza envolvendo as coisas e as ideias. Visualizá-las e mostrá-las é o ofício dos artistas. O cotidiano é o intangível em movimento. Agora perceba: a arte não imita a realidade; ela, verdadeiramente, a suplanta.

Dilson – Todo poeta ciente do ofício persegue obstinadamente uma imagem. Aquela que dá a ele identidade nas escolhas temáticas e no plano da expressão. O que persegue temática e formalmente Weliton Carvalho?

Weliton – Caro Dilson, a poesia é, em essência, imagem. A palavra – repetindo Octavio Paz – é símbolo que emite símbolos. Em outro dizer: o poeta usa a palavra para mostrar a imagem. O esforço do poeta é transformar palavras em imagens na mente do leitor. A arte é imaginário. Sem isso, não existe poesia no sentido amplo da estética. Quanto à temática, deve-se dizer que é terreno fértil para derivações. Há poetas monotemáticos e outros, pluritemáticos. Isso necessariamente não aquilata, por si só, o valor artístico do escritor. Importante é pontuar que a arte é forma e conteúdo. Mesmo quando se fala do parnasiano como a escola da “arte pela arte” é muito mais uma expressão de impacto que a verdadeira característica desta escola literária. “Arte pela arte” significa preocupação com o rigor da forma, mas não se está dispensando o conteúdo. Uma escola que se propusesse a isto cairia, inevitavelmente, no estéril. A arte é, ontologicamente, comunicação. O artista quer se comunicar com o outro indivíduo, na esperança de comovê-lo. Dito isto, devo lembrar que não tenho uma temática única. Em síntese apertada, digo que sou um lírico que se ocupa do amor, da morte, do tempo, da existência, do social e do erótico. E talvez de outros temas que a mim me escalpam conscientemente, mas que chegam ao leitor.

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